domingo, 13 de março de 2022

Felicidade: grande demais pra uma pessoa só

 




Vou te contar, os olhos já não podem ver

Coisas que só o coração pode entender

Fundamental é mesmo o amor

É impossível ser feliz sozinho 


Antônio Carlos Jobim 


Depois de uma semana muito produtiva, em que tudo parecia dar certo (“e viu que era bom, e viu que era bom, e viu que era MUITO bom”), o próprio Deus Criador se deparou, pela primeira vez nas Escrituras, com algo que NÃO ERA BOM. E, detalhe, ANTES do pecado entrar no mundo. Tudo isso aconteceu nos primeiros dois capítulos do livro de Gênesis, e o que Deus taxou de “não bom” era a solidão do primeiro Homem. “Não é bom que o homem esteja só”, afirma o Pai em Gênesis 2:18. É importante lembrar que a solidão não foi uma criação de Satanás, e incidia sobre alguém sem pecado, que morava no paraíso e tinha comunhão direta com Deus. AINDA ASSIM, não estava bom. E por que não? O fato incontornável que precisamos encarar é que, embora Deus não tenha criado o Homem com um “defeito de fábrica”, Ele o fez com uma limitação: a incapacidade de ser feliz sozinho. 

Não estamos falando de casamento, claro, porque o apóstolo Paulo deixa claro na sua primeira carta aos coríntios que o casamento não é obrigatório para a felicidade de ninguém. Mas ter comunhão com outras pessoas, compartilhar a vida com o próximo, são coisas que parecem ser fundamentais para uma vida com satisfação nessa terra. 

Veja o que Salomão, o “homem mais sábio da história”, fala sobre a importância de se buscar o bem do outro: “O solitário busca o seu próprio interesse e insurge-se contra a verdadeira sabedoria” - Provérbios 18:1. Até a sabedoria, que, por preconceito, muitas vezes julgamos ser própria das pessoas solitárias, normalmente cercadas por livros e não por outras pessoas, até mesmo a Sabedoria bíblica só pode ser alcançada levando o próximo em consideração. A conclusão é que a pessoa solitária é assim por egoísmo, por não buscar a proximidade de alguém ou não permitir que outros se aproximem, e o resultado, infelizmente, é a perda da verdadeira sabedoria, por priorizar objetivos egoístas.

O mesmo Salomão, em Eclesiastes (livro em que ele registra sua busca pela FELICIDADE, fazendo diversas tentativas de encontrá-la, seja pelo conhecimento, pela fama, pelo poder, pelas riquezas e, por fim, no sexo e nas drogas), deixa claro que a satisfação só pode estar em algum lugar onde nos relacionamos com outras pessoas. Ele começa dando o exemplo de um homem totalmente sozinho, que trabalha arduamente vivendo uma vida sem sentido: “Descobri ainda outra situação absurda debaixo do sol: Havia um homem totalmente solitário; não tinha filho nem irmão. Trabalhava sem parar! Contudo, os seus olhos não se satisfaziam com a sua riqueza. Ele sequer perguntava: ‘Para quem estou trabalhando tanto, e por que razão deixo de me divertir?’ Isso também é absurdo. É um trabalho muito ingrato!” - Eclesiastes 4:7,8 

Após o exemplo do absurdo, ele nos brinda com um exemplo de sensatez, que está justamente no compartilhar alegrias e tristezas: “É melhor ter companhia do que estar sozinho, porque maior é a recompensa do trabalho de duas pessoas. Se um cair, o amigo pode ajudá-lo a levantar-se. Mas pobre do homem que cai e não tem quem o ajude a levantar-se! E se dois dormirem juntos, vão manter-se aquecidos. Como, porém, manter-se aquecido sozinho? Um homem sozinho pode ser vencido, mas dois conseguem defender-se. Um cordão de três dobras não se rompe com facilidade”. - Eclesiastes 4:9-12 

Ao final do livro de Eclesiastes, ficamos com a sensação de que Salomão não conseguiu concluir sua busca pela definição do que é felicidade e de como alcançá-la. Mas PELO MENOS UMA COISA ele descobriu: “é melhor serem dois do que um”.

Chegamos a Jesus, e Ele nos reforça essa verdade, na reveladora parábola do “fazendeiro rico”. Motivado por uma questão familiar (dois irmãos que estavam brigados por causa de uma herança), Jesus deixa claro que a felicidade não pode estar no dinheiro acumulado. 

“Então lhes disse: ‘Cuidado! Fiquem de sobreaviso contra todo tipo de ganância; a vida de um homem não consiste na quantidade dos seus bens’. Então lhes contou esta parábola: ‘A terra de certo homem rico produziu muito bem. Ele pensou consigo mesmo: “O que vou fazer? Não tenho onde armazenar minha colheita”. Então disse: “Já sei o que vou fazer. Vou derrubar os meus celeiros e construir outros maiores, e ali guardarei toda a minha safra e todos os meus bens. E direi a mim mesmo: ‘Você tem grande quantidade de bens, armazenados para muitos anos. Descanse, coma, beba e alegre-se’”. Contudo, Deus lhe disse: ‘Insensato! Esta mesma noite a sua vida lhe será exigida. Então, quem ficará com o que você preparou?’ Assim acontece com quem guarda para si riquezas, mas não é rico para com Deus’". -Lucas 12:15-21

Jesus deixa claro que a riqueza daquele homem não lhe traria a felicidade e a segurança desejadas, e que mais importante do que acumular bens era ser rico para com Deus. E isso, em toda a Bíblia, só pode ser conseguido através de relacionamento com pessoas. É isso que João, em sua primeira carta, declara ousadamente: “Se alguém afirmar: ‘Eu amo a Deus’, mas odiar seu irmão, é mentiroso, pois quem não ama seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê” (1 João 4:20). Para os irmãos que deixaram de se relacionar por causa de uma herança, o recado de Jesus era claro: existem coisas mais importantes do que dinheiro.

Se o Homem foi então criado com essa “limitação”, dependendo dos outros para ser completo, onde então a Bíblia nos diz que pode estar a felicidade? A verdade é que ela não habita em nós mesmos, mas pode ser encontrada no nosso relacionamento com os outros: “Alegrai-vos com os que se alegram e chorai com os que choram” - Romanos 12:15. Existe uma maneira bíblica de se alegrar, e ela está em como conseguimos ficar felizes pela felicidade alheia. Mas veja que isso não é como quando torcemos pelo sucesso de alguém distante, como um ator ou um jogador de futebol. O apóstolo Paulo, nessa passagem, está falando do relacionamento entre irmãos da mesma igreja. (Sabia que às vezes é mais fácil se compadecer ou comemorar com alguém que está longe do que com alguém muito próximo, mesmo que seja um vizinho, um irmão, uma esposa?) Veja, o texto não está falando de empatia, mas de uma coisa mais necessária: relacionamento interpessoal. É por isso que Paulo fala sobre se alegrar e sobre chorar. Porque, quando nos abrimos para uma verdadeira comunhão com alguém, quando nos aproximamos a ponto de compartilhar alegrias e tristezas, então é nesse momento em que podemos de fato experimentar a alegria genuína de estar feliz por alguém, mas também a tristeza profunda de se compadecer daquela pessoa que você ama.

É por isso que Paulo, citando Jesus, afirma: “Há maior felicidade em dar do que em receber” (Atos 20:35). Se a nossa felicidade está no outro, e não em nós mesmos, fica fácil entender essa afirmação. Quando damos mudamos a vida de alguém pra melhor, nem que seja um pouco, e isso é mais satisfatório do que qualquer coisa que alguém possa nos dar. 

“Não tenho alegria maior do que ouvir que meus filhos estão andando na verdade” (3 João 1:4). Essa afirmação de João faz todo o sentido agora, não faz? Se a nossa alegria está no próximo, qual poderia ser uma alegria maior do que levar alguém pra Cristo (fazendo dela um filho) e perceber que ela está firme nessa Verdade, que pode salvá-la para a Eternidade? Prioridades, prioridades. Qual tem sido a sua?

quinta-feira, 1 de outubro de 2020

O PROBLEMA DO DÍZIMO

 



De todas as doutrinas cristãs, o dízimo, sem dúvida, é uma das mais mal interpretadas, polêmicas e combatidas. Para os não cristãos, o costume de dizimar é uma prova cabal de como os crentes são simplórios e manipuláveis, e os pastores e sacerdotes, exploradores e gananciosos. Mesmo entre os cristãos, a doutrina do dízimo é muitas vezes mal compreendida ou mesmo rejeitada, e é fato que uma grande parte dos cristãos do mundo não chega a dizimar de forma consistente, já que, se todos assim o fizessem, a realidade das organizações cristãs seria muito diferente do que é hoje. 

Para tentar trazer um pouco de luz sobre esse assunto, separei os motivos que levam as pessoas a não dizimar (ou então a dizimar sem saber o motivo, que é um problema tão grande quanto) em três grupos, que são:

MOTIVO 1: NÃO ENCONTRO RESPALDO BÍBLICO – É preciso admitir: o Novo Testamento, sobre o qual baseamos nossa fé, não traz um sentido claro a respeito de dar o dízimo. Não existe UM SÓ VERSÍCULO neotestamentário dizendo “deveis entregar o dízimo”, “ou entregareis o dízimo”. O máximo que temos é um comentário de Jesus a respeito dessa prática, em que ele reconhece que os fariseus entregavam o dízimo mas não realizavam a parte “mais importante da lei”. “Deveis fazer estas coisas, sem omitir aquelas”. E é só. Mas ele estava conversando com judeus, pessoas debaixo da Lei de Moisés. Nas cartas, que são as orientações claras para a Igreja de Cristo (baseadas não mais nas leis mosaicas, mas na nova Lei do Espírito, a Lei do Amor), um total de ZERO menções à obrigatoriedade da entrega do Dízimo. Assim, um cristão que se dedica a seguir o novo testamento e rejeita judaísmos tem um belo argumento para não dizimar, com a mesma consciência tranquila de quem não guarda o sábado ou come um belo prato de feijoada. 

MOTIVO 2: NÃO VEJO SENTIDO – Vamos encarar: o costume de dar o dízimo não faz o menor sentido do ponto de vista da mente racional. Qual o motivo de abrir mão de 10% dos meus ganhos, para o resto da vida, sem saber bem o que estou recebendo em troca? Se a gente for pensar bem, é pior que um Plano de Capitalização, desses bem picaretas, porque não conseguimos nem resgatar o valor investido. É um dinheiro que não é guardado, nem separado, nem investido, e que de fato não sabemos bem pra onde está indo. Além disso, a maneira como alguns líderes ensinam sobre o dízimo é no mínimo suspeita: além de fazer ameaças veladas (algumas vezes, nem tão veladas) sobre os riscos de não dizimar, o que inclui até a estranha figura do “Devorador” (que pode ser a farmácia, a oficina mecânica, o hospital, ou seja, qualquer gasto imprevisto no mês), também incluem promessas que parecem um tanto quanto suspeitas, como cancelamento de dívidas e aumentos milagrosos de patrimônio. Precisamos admitir que convencer alguém a lhe dar dinheiro em troca de uma promessa vaga de prosperidade e sob uma ameaça ainda mais vaga de perda financeira parece DEMAIS com estelionato. 

MOTIVO 3: NÃO QUERO – Esse motivo talvez seja o principal, porque muitas vezes é a razão por trás dos outros dois. Muitas vezes temos dificuldades para encontrar sentido em fazer algo ou então encontramos diversas razões teológicas para deixar de fazê-lo simplesmente porque NÃO QUEREMOS. Esse também pode ser encarado como o principal motivo porque diz respeito a questões de Fé, Identidade e Revelação de Deus. Ou seja, as partes mais importantes da vida de cada cristão. Quando Jesus alerta sobre a impossibilidade de servir a dois senhores, em seguida ele já estabelece que nossas opções se resumem a duas: ou servimos a Deus ou ao Dinheiro (Mamon, no original). De tantas coisas que podem escravizar e mesmo ter senhorio sobre o homem (vícios, sexo, demônios) Jesus fez questão de estabelecer o Dinheiro como sendo a opção principal, como se fosse uma espécie de anti-Deus, e isso parece fazer eco com outras declarações de Jesus ao longo dos evangelhos, como quando ele diz que é mais difícil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino dos Céus. Ele não falou que era “impossível aos homens” que um estuprador, um pedófilo, um satanista ou um serial-killer fossem salvos, mas colocou os ricos nessa categoria, o que chocou imediatamente os discípulos. De fato, até os dias de hoje, ficamos mais impactados com um criminoso que é transformado pelo Evangelho do que com um milionário que começa a frequentar uma igreja. Aparentemente, para Jesus, o segundo caso é bem mais impressionante. Uau! E por que isso? Certamente não existe nada de sobrenatural no dinheiro, seja ele papel ou números na tela de um celular. Mas o fato é que ele exerce um papel sobre a totalidade da vida dos indivíduos, e uma maneira de verificar se a pessoa de fato aceitou o senhorio de Jesus em sua vida é ver como ela lida com as questões financeiras. Não é a toa que o jovem rico dos evangelhos abriu mão da salvação por não querer deixar suas “muitas riquezas” (e olha que ele o fez com tristeza, ou seja, sua vontade não era mais dele, estava totalmente vendida ao deus Mamom), e também não é por acaso que Jesus afirma a salvação de Zaqueu no momento em que este decide doar parte de sua fortuna e ressarcir financeiramente aqueles que havia prejudicado. Nesses dois momentos foi possível ver quais escolhas haviam sido feitas, com resultados eternos.

Apresentadas as principais razões contrárias ao Dízimo, gostaria agora de analisar cada um desses itens separadamente, apresentando alguns argumentos de que devemos, sim, dizimar. Ou melhor dizendo, que dizimar não é uma coisa sem sentido, imposta por homens gananciosos para nos explorar e nos fazer mais pobres. Pelo contrário, é uma ideia de Deus, respaldada pelo Novo Testamento e que, ao ser praticada, não apenas nos traz bênçãos financeiras, como ainda nos ajuda a entrar em um outro nível de relacionamento com o Pai.

MOTIVO 1: EXISTE RESPALDO BÍBLICO SIM – Uma vez, tive que preparar um estudo aprofundado sobre dízimos. Já tinha o esquema na minha cabeça: iria falar do primeiro registro de alguém entregando o dízimo na Bíblia, no caso Abraão (que ainda se chamava Abrão), o Pai da Fé, no livro de Gênesis. Em seguida, falaria do Dízimo como ensinado na Lei de Moisés e praticado em todo o período anterior a Cristo. E, por fim, explicaria que esse é um costume que devemos continuar praticando porque, se Jesus aboliu a Lei Mosaica, ele não tocou no que vinha antes dela, como se o Dízimo fosse algo tão básico que fosse natural ao homem ministrar a Deus através dele. Assim, o estudo iria se chamar “O DÍZIMO ANTES DA LEI – O DÍZIMO NA LEI – O DÍZIMO APÓS A LEI”. Sim, é um título grande e ruim, mas a ideia geral seria essa. Seria, porque, quando li Hebreus, para entender mais a respeito de Melquisedeque, o “sacerdote do Deus Altíssimo” que recebeu os dízimos de Abraão, fui confrontado com o seguinte versículo: “Pode-se até dizer que Levi, que recebe os dízimos, entregou-os por meio de Abraão, pois, quando Melquisedeque se encontrou com Abraão, Levi ainda estava no corpo do seu antepassado” - Hebreus 7:9,10  . O que o escritor aos Hebreus está dizendo é que, como Isaque, filho de Abraão e avô de Levi (de quem veio a tribo levita, responsável pelo recolhimento dos dízimos dos israelitas), ainda não havia nascido no momento em que o dízimo foi entregue, ele de certa forma ainda estava “dentro” do pai, e que, portanto, ele também havia participado da entrega dos dízimos. Assim, o meu título já tinha que ser alterado, já que a Bíblia afirmava que TODO o dízimo entregue debaixo da Lei havia sido, simbolicamente, também entregue por Abrão. “O DÍZIMO ANTES DE CRISTO – O DÍZIMO DEPOIS DE CRISTO” poderia ser um título mais apropriado. Poderia, mas não pôde, porque o autor de Hebreus continuava o raciocínio, dizendo que Melquisedeque não era apenas um personagem obscuro do Velho Testamento, mas também um tipo de Cristo. Ele chega a citar um salmo messiânico, o de número 110, que afirma com todas as letras hebraicas a respeito de Jesus: “Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque". TODOS os dízimos entregues sob a Lei não apenas haviam sido entregues POR ABRAÃO, mas também haviam sido, de certa forma, entregues PARA JESUS, que exerce hoje o mesmo sacerdócio de Melquisedeque, um sacerdócio superior ao levítico, em todos os sentidos. O meu estudo original havia ido por água abaixo, mas o mais importante é que eu entendi que não fazia sentido dividir o Dízimo em períodos ou fases: o Dízimo sempre foi o mesmo, antes e depois da Lei, antes e depois de Cristo. A diferença é que a Igreja, hoje, pode praticá-lo com o entendimento totalmente iluminado: os dízimos não são entregues nem para sacerdotes misteriosos nem para os descendentes de Levi, mas para o próprio Deus, Jesus Cristo, que o recebe através do Seu Corpo, a Igreja.  

MOTIVO 2: NÃO FAZ SENTIDO, E POR ISSO É IMPORTANTE – Realmente, não faz sentido. E esse é mais um motivo pra praticar. Uma pessoa de Fé não é guiada pelos sentidos físicos e raciocínios, mas pelo que crê. Não anda por vista, mas por Fé. Existem centenas de razões muito boas para não entregar o dízimo (não sei para onde vai, não tenho certeza da índole do meu pastor, prefiro administrar eu mesmo, vai fazer falta no meu orçamento) e apenas uma para entregá-lo (a Bíblia assim ensina). E essa é a GRANDE razão para adotarmos essa prática. Dizimar é considerar a situação econômica do país, as contas, os imprevistos, o orçamento familiar, e ao mesmo tempo declarar que existe uma realidade superior, uma que supera as circunstâncias financeiras imediatas e nos garante suprimento abundante em todo o tempo e em cada situação. Não existe, na Bíblia, nada comparado com a promessa associada à entrega dos Dízimos. Deus chega a nos desafiar claramente: “Ponham-me à prova [me provem, me testem] se [ao entregarem os dízimos] eu não abrir as comportas dos céus e derramar sobre vocês tantas bênçãos que nem terão onde guardá-las” (Malaquias 3:10). É uma promessa e um desafio, de que um ato de fé (a entrega dos dízimos) será seguido pela chegada da provisão. E é uma promessa que vale pra nós hoje, já que vimos, no item anterior, que o Dízimo do Velho Testamento é o mesmo que ainda entregamos. Afinal, em Cristo temos o “sim e o amém” para cada promessa da Antiga Aliança. 

MOTIVO 3: A CARNE NÃO QUER, MAS SOMOS GUIADOS PELO ESPÍRITO – Nos tornamos novas criaturas no momento em que cremos no Sacrifício e na Ressurreição de Jesus e confessamos que Ele é o único Senhor de nossas vidas. Único. Senhor. Não existe como ter um relacionamento verdadeiro com Cristo sem tê-lo como a coisa mais importante. Não é possível servir a dois senhores. “Deus ou o Dinheiro” é uma escolha que temos que fazer todos os dias. O que move minhas decisões? Ganhos financeiros ou fazer a vontade do Pai? Se Jesus é de fato nosso Senhor, isso quer dizer que não temos mais vontade independente da Dele. Talvez por isso Mamom seja tão perigoso pra nossa vida. Ter dinheiro dá uma ilusão de completa liberdade, de fazer o que quiser sem ter que dar satisfações. “Ninguém paga minhas contas”, dizem alguns, quando afirmam que não precisam se submeter às opiniões dos outros. O dinheiro dá ilusão de independência, autossuficiência, poder. Afinal, se Mamom é um deus pra este mundo, o que é um homem muito rico? Um sacerdote, um profeta? Um “deusinho”? É por isso que é tão importante romper com esse deus para se comprometer com o Deus verdadeiro. Por isso a exigência de Jesus para o jovem rico, “vá, venda tudo o que tem, dê o dinheiro aos pobres e terá um tesouro nos céus. DEPOIS, venha e siga-me”. Dizimar faz parte desse processo. É declarar, pros céus e pro inferno, quem é nosso verdadeiro Senhor. Se Mamom é um deus, quando dizimamos estamos demonstrando que ele não é o NOSSO deus. Quando somos fiéis e confiamos em Deus na área financeira, damos a Ele liberdade para se mover nas outras áreas de nossa vida. Dizimar com conhecimento é um aspecto importante do crescimento da nossa intimidade com o Pai.

terça-feira, 26 de maio de 2020

NEM PSICOGRAFADA, NEM DITADA: INSPIRADA!



NEM PSICOGRAFADA, NEM DITADA: INSPIRADA!


Embora os três evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas) falem da vez em que Jesus foi rejeitado pelos moradores de sua cidade natal, Nazaré, em apenas uma Ele aparece citando o provérbio “Médico, cura-te a ti mesmo!” para comentar a rejeição de seus conterrâneos. Curiosamente, o único evangelista a fazer isso é Lucas. Ainda mais curioso: ele era médico.

Apenas uma vez, nos quatro evangelhos canônicos, Jesus aparece pagando o Imposto do Templo. A passagem é narrada apenas por Mateus. Que, por coincidência, era cobrador de impostos.

A cura do homem da mão ressequida também é narrada nos três sinóticos, mas é apenas o evangelho de Marcos que traz a seguinte informação a respeito dos sentimentos de Jesus: “IRADO, olhou para os que estavam à sua volta e, PROFUNDAMENTE ENTRISTECIDO por causa dos seus corações endurecidos, disse ao homem: ‘Estenda a mão’ ”. Acredita-se que o evangelho de Marcos foi escrito por João Marcos, sobrinho de Barnabé e muito próximo do apóstolo Pedro, que provavelmente foi quem passou as informações contidas no livro. É interessante notar que uma das características marcantes da personalidade de Pedro era justamente sua passionalidade, a maneira como suas emoções afloravam e guiavam suas decisões. Seria coincidência ser esse o evangelho que destacou com tanta ênfase os sentimentos de Jesus?

No Velho Testamento, temos a história de Débora, única juíza (uma espécie de líder militar e governante) da história de Israel. Guiando o povo escolhido de Deus, a profetisa Débora obteve uma importante vitória militar contra o exército do rei de Canaã, comandado por Sísera, que acabou morrendo durante a batalha. A Bíblia registra o “canto de vitória” entoado por Débora depois da batalha. Alguns versos em especial chamam a atenção: “A mãe de Sísera olhava pela janela, e exclamava pela grade: Por que tarda em vir o seu carro? Por que se demoram os ruídos dos seus carros?” No Velho Testamento, vemos vários relatos de mortes de guerreiros e líderes, mas foi necessário uma mulher para ter o seguinte pensamento: “Como estará a mãe dele?” Sensibilidade e empatia não são exclusividade do sexo feminino, mas não podemos negar que foi uma mulher a responsável por levantar a questão sobre a qual tantos escritores homens passaram por cima sem perceber.

Toda a introdução acima é só pra destacar uma coisa: a Bíblia não é um livro psicografado (ou seja, Deus não possuiu os corpos dos escritores para que escrevessem os livros bíblicos) e nem ditado (Deus não ficou sentado ao lado dos profetas, falando palavra por palavra o que deveria ir pro papel, ou pro pergaminho, ou pro papiro). A Bíblia afirma, sobre si mesma, que ela é inspirada: “Toda a Escritura é inspirada por Deus, e útil para ensinar, para repreender, para corrigir e para formar na justiça” - 2 Timóteo 3:16. A palavra grega para isso é theopneustos, literalmente “soprada por Deus”. Pedro diz que a Escritura foi feita por homens de Deus movidos pelo Espírito Santo. “Movidos” (phero), aqui, significa “dirigidos”. O Espírito Santo, portanto, inspirou e moveu homens, mas quem escreveu, de fato, foram eles.

Na Bíblia, Deus escreve apenas em duas ocasiões: na pedra, quando da entrega dos Dez Mandamentos, escritos pelo “dedo de Deus” (Êxodo 31:18); e na areia, quando Jesus, Deus encarnado, escrevia durante o julgamento da “mulher adúltera”. Foi Deus quem escolheu que fosse dessa forma. Não temos um “evangelho segundo Jesus Cristo”, porque Ele optou por inspirar, com sua vida, para que outros homens escrevessem sobre sua história. A autoria da Palavra de Deus, por incrível que possa parecer, é humana. É tão humana que o próprio Jesus admite que a Lei de Moisés não correspondia exatamente à vontade de Deus, mas foi adaptada para a audiência da época em que fora escrita: “Moisés, por causa da dureza dos vossos corações, vos concedeu separar-se de vossas mulheres. Mas não tem sido assim desde o princípio”.

É como se Deus houvesse colocado uma imagem diante dos autores das Escrituras, e permitido que os homens, baseados nessa imagem, fizessem uma bela escultura ao longo dos séculos, cada um contribuindo de acordo com sua capacidade e nível de revelação, que foi aumentando ao longo dos tempos. Essa escultura representa uma imagem genuinamente divina, isso é inegável, mas também é inegável que as digitais de seus escultores estão espalhadas por todo lugar.  

terça-feira, 12 de maio de 2020

Pastores podem pegar o coronavírus? Mas e a fé?




Não sei você, mas eu fiquei um pouco confuso ao ouvir notícias sobre alguns pastores que negavam os perigos do COVID-19, não tomaram os cuidados necessários (mesmo indo contra as recomendações governamentais) e acabaram morrendo, vítimas justamente do coronavírus. Achei estranho porque acredito na cura e na fé, e o que aconteceu com esses queridos irmãos parece ir contra os princípios que aprendemos sobre como colocar a fé em prática. Afinal, eles (1) confessaram (“esse vírus não é de nada”, “não vou pegar”, “essa doença não existe”) e (2) tiveram atitudes correspondentes (se expuseram ao contágio). O que aconteceu nesses casos? Por que a fé não funcionou para esses ministros cristãos que, afinal, estavam apenas pregando a Palavra e evangelizando?

Vamos voltar alguns anos atrás, para a viagem feita pelo apóstolo Paulo para a cidade de Roma, onde compareceria, como prisioneiro, perante César. Conforme nos relata o livro de Atos, antes de embarcar no navio, uma palavra veio a Paulo, de que a viagem seria “desastrosa e acarretará grande prejuízo para o navio, para a carga e também para as nossas vidas”. O centurião, mesmo ouvindo a advertência de Paulo, preferiu “seguir o conselho do piloto” e o resultado foi, como Paulo havia previsto, desastroso. A vida de Paulo foi salva porque havia uma necessidade de que ele “comparecesse perante César”, e a graça de Deus fez o restante, poupando a vida de todos os outros embarcados, mas o saldo final da viagem foi a perda da carga e do próprio navio. Uma dúvida que eu sempre tive, e que imagino possa ser a de outras pessoas também, é a seguinte: “Por que não Paulo não repreendeu a tempestade?” Afinal, ele era seguidor de Jesus, que havia acalmado a chuva e o vento em mais de uma ocasião. Além disso, quando realizava esses feitos, Ele deixava bem claro que era a fé que permitia esse tipo de intervenção na natureza, e que os discípulos podiam fazer o mesmo, se não fossem tímidos. Se é assim, porque Paulo não repreendeu a tempestade, mesmo possuindo tanta fé e ousadia?

Para encontrar a resposta, devemos voltar ainda mais no tempo, e dar uma boa olhada na vida de Jesus. Antes de dar início ao seu ministério, o Mestre foi tentado pelo diabo para que saltasse do alto do templo, baseado em um trecho do Velho Testamento: “Ele dará ordens a seus anjos a seu respeito, e com as mãos eles o segurarão, para que você não tropece em alguma pedra”. A resposta de Jesus também foi um trecho das Escrituras: “Não ponha à prova o Senhor, o seu Deus”. O que Jesus entendeu naquele dia foi que colocar-se em uma situação de perigo espontaneamente, esperando que Deus o salvasse, seria uma afronta, ou seja, uma maneira de “pressionar Deus” a fazer algo. Foi por isso que Jesus recusou, vencendo assim a tentação apresentada.

A situação de Paulo foi semelhante. Existia uma palavra de alerta bastante clara, de que eles não deveriam navegar naquelas condições. Mesmo informados disso, os responsáveis pelo navio preferiram seguir sua própria vontade, ignorando o alerta divino e se colocando em uma posição de risco. Em uma situação do tipo, a oração da fé poderia funcionar para repreender a chuva e os ventos, mesmo quando todo o problema teria sido evitado apenas ouvindo o Espírito? Provavelmente não, tanto é que, no relato, não vemos Paulo nem tentando usar sua fé nesse sentido.

Chegamos nos dias atuais, e nos pastores vítimas da COVID. A exposição voluntária ao vírus não seria, também, uma maneira de “tentar” a Deus? Como se eles dissessem: “Vou fazer do meu jeito, e Deus vai me proteger”? Talvez a grande lição de tudo isso seja que a fé não se resuma a apenas “confessar e agir de acordo”. A fé bíblica, a fé que nos salvou e que nos permite vencer o mundo, é uma fé baseada nas Escrituras, uma fé que “vem pelo ouvir, e ouvir a Palavra de Deus”. É uma fé que não pode funcionar quando exercida em desacordo com os princípios bíblicos. Não pode ser exercida em rebeldia, por exemplo. Ignorar os avisos das autoridades, médicas e governamentais, não é fé, é teimosia e rebeldia. A Fé não é uma fórmula mágica, uma receita de bolo, um passo-a-passo. A fé é um estilo de vida, que passa pela submissão à Palavra de Deus, e que opera pelo Amor. Ignorar isso é querer que a fé seja algo que ela não é, é as consequências podem ser desastrosas, como a Bíblia sempre ensinou, e a História insiste em confirmar.

domingo, 29 de março de 2020

CONTO #7: SOBRE REIS E DICIONÁRIOS




  "prometendo-lhes a liberdade, quando eles
mesmos são escravos da corrupção"
II Pedro 2:19


A primeira respiração da guerra recém-nascida foi dada assim que o velho rei soltou seu último suspiro. Dois exércitos, cada um comandado por um dos filhos do falecido monarca, empreenderam uma guerra triste, cansativa e renhida, que durou por vários meses, provocando a abertura e o preenchimento de várias covas novas, espalhadas por todo o reino. Finalmente, o filho mais novo do rei, Gustaff, assumiu a derrota de sua facção, e, diante de todo o povo, ajoelhou-se diante do irmão mais velho, Rudolph, admitindo a vitória de seu oponente, para alívio dos súditos vivos e total indiferença daqueles que já haviam tombado.

Para a surpresa de ninguém, o irmão derrotado implorou pela misericórdia do novo soberano. Poucos esperavam, porém, a resposta dada pelo rei: ele não apenas poupou a vida do irmão caçula, como o livrou do exílio eterno. A pena escolhida para ele foi a prisão perpétua, que deveria ser cumprida no calabouço do castelo real, tradicional residência da monarquia e sede do governo do reino.

Os meses que se seguiram ao fim da guerra foram como todos os meses que se seguem aos fins das guerras: tempo de enterrar os mortos, tratar feridas, trocar presentes, pedir donzelas em casamento e engravidar esposas e noivas. A felicidade (que era mais um alívio do que qualquer outra coisa) era tão palpável e presente em todo o reino, que o Rei Rudolph I, o Misericordioso, em uma bela manhã de primavera, resolveu fazer uma visita de cortesia ao irmão derrotado.     

Gustaff não parecia muito diferente de como o rei se lembrava. Estava mais magro, é certo, mas não esquelético, e um pouco mais branco, afinal, o calabouço ficava no subsolo do castelo, longe da luz solar. Mas parecia tranquilo, e ambos tiveram uma conversa amigável, em que reconheceram erros e excessos cometidos por ambos os lados, e quase pediram perdão um ao outro. Só não pediram porque não cabe aos reis e filhos de reis se desculparem por coisa alguma. Ao final do encontro, o Rei perguntou se havia algo que pudesse fazer para tornar a prisão de Gustaff mais tolerável. O irmão caçula respondeu que a prisão não lhe era particularmente pesada, que estava sendo bem tratado, tinha tudo de que necessitava e que, pra dizer a verdade, só sentia mesmo falta de uma atividade que pudesse lhe ocupar os dias. E, já que o rei havia perguntado, sugeriu que ele poderia, para passar melhor o tempo e talvez ser útil para o povo, auxiliar em um trabalho que sempre o atraíra: a atualização do Dicionário Oficial do Reino.

O pedido, de início, surpreendeu o Rei Rudolph. Parecia um trabalho por demais subalterno para o irmão de um rei, até mesmo para um irmão criminoso e condenado. Mas o pedido havia sido feito com tanta simplicidade, e era tão fácil de ser concedido, que na semana seguinte a cela estava lotada de papéis, penas, tinteiros e livros, e Gustaff já trabalhava mais de 12 horas por dia no longo e tedioso ofício de atualizar o dicionário.

Metade de um ano havia se passado quando chegou às mãos do rei a nova versão do Dicionário Oficial. Era trabalho dos monarcas conferir todas as versões atualizadas do dicionário, já que só depois da aprovação real elas podiam ser encaminhadas aos copistas, para então chegarem às bibliotecas e aos responsáveis pelo ensino das crianças. Obviamente, esse era um trabalho que os reis costumavam delegar, já que decerto havia coisas mais importantes para um governante fazer do que ficar sentado lendo um livro que quase ninguém jamais iria ler.  Mas, como esse era a primeira versão criada por seu querido e desgraçado irmão, o Rei Rudolph resolveu lê-la com atenção, até mesmo para ter algum comentário para fazer em sua próxima visita. Ao passar os olhos pelas centenas de páginas, o rei pouca coisa nova percebeu, mesmo porque a leitura nunca havia sido um de seus passatempos preferidos. Algo, porém, lhe chamou a atenção, o que ele fez questão de compartilhar com Gustaff. "Notei que você fez uma pequena mudança no significado da palavra CAÇULA", comentou, divertido. Gustaff pareceu surpreendido diante da observação e, com os olhos baixos, começou a se justificar, "veja, foi apenas um adendo, não alterei o sentido principal, que continua a ser FILHO MAIS NOVO", disse, gaguejando, enquanto Rudolph lhe apontava a página onde, depois de FILHO MAIS NOVO, aparecia a descrição, após o ponto-e-vírgula: HONRADO. Rudolph riu, tranquilo, disse que não havia problema nenhum, e que realmente havia conhecido muitos irmãos mais jovens que eram homens de grande honra, "inclusive você", acrescentou, já saindo, e dizendo que mal podia esperar pelas novas atualizações anuais do dicionário.

O que foi, é claro, uma grande mentira, já que os afazeres reais impediram que o rei prestasse a mesma atenção às versões seguintes feitas pelo irmão. Ele não notou, por exemplo, que, nos anos que se seguiram, a palavra VENCEDOR adquiriu, além do sentido de GANHADOR DE UMA GUERRA, o significado de TRAPACEIRO. O significado da palavra PRIMOGÊNITO também passou por transformações: além de FILHO MAIS VELHO, queria dizer USURPADOR. O significado de Rudolph foi outro que mudou: além de ser um NOME PRÓPRIO,  também significava OPRESSOR. Durante esse mesmo período, a expressão PERDEDOR passou a significar INJUSTIÇADO, e GUSTAFF adquiriu o sentido de HERDEIRO LEGÍTIMO.

É necessário fazer uma observação a respeito dos dicionários: embora não tenham muitos leitores, os poucos que os leem influenciam os muitos que os ignoram. Entre aqueles que leem os dicionários, por exemplo, estão os professores, que as crianças veem como fontes inquestionáveis de sabedoria. Essas crianças, como sabemos, crescem, e os ensinamentos que recebem passam a fazer parte dos adultos que se tornam. Poetas, escritores e dramaturgos, todos esses, também leem dicionários, e o que aprendem neles passa a habitar suas poesias, seus romances e suas peças para, finalmente, morar no coração de seu público. Os bardos, músicos mendigos que iam de taverna em taverna entoar canções que caçoavam ou elogiavam os poderosos, em troca de comida, moedas ou aplausos, também liam esses livros monótonos, e suas músicas repetiam os significados mutantes das palavras dicionarizadas.

E foi assim que, ano após ano, a boa vontade das massas aos poucos foi diminuindo em relação ao Rei Rudolph, sem que este percebesse, e aumentando em relação a Gustaff, que aguardava com imensa expectativa o que aconteceria quando sua décima versão do Dicionário chegasse ao alcance do povo. Essa versão trazia apenas uma pequena diferença em relação às outras: a expressão GOLPE  havia adquirido um único significado, JUSTIÇA. Poucos meses depois, uma multidão, formada em sua maioria por jovens e adolescentes, invadia o Castelo Real, libertava Gustaff do calabouço e o colocava no trono, ao som de músicas de protesto cantadas e tocadas por dezenas de bardos e escritas pelos mais renomados poetas do reino.

Recém-coroado, o novo rei, Gustaff I, o Justo, viu-se na mesma situação em que estava dez anos atrás, mas com uma diferença: agora era Rudolph quem lhe implorava clemência. Porém, três anos antes, a palavra MISERICÓRDIA havia adquirido o significado de TOLICE, e como Gustaff era um soberano inteligente, Rudolph foi decapitado pela PIEDADE do rei (um dos novos significados da palavra MACHADO). O que se seguiu à coroação foram vários anos de um reinado marcado pela GENEROSIDADE (que agora queria dizer imposto) e pela BONDADE do novo soberano, que mandava cortar as gargantas dos DEMÔNIOS (substantivo masculino. 1- SER DO INFERNO; 2- SERVO DO DIABO; 3- QUALQUER UM QUE RECLAME PUBLICAMENTO DO REI) enquanto dormiam. O povo vivia dias de intensa FELICIDADE, mal fechando os olhos à noite, acreditando que cada barulho do lado de fora podia significar a chegada de enviados do rei para trazer DESCANSO, ou seja, uma execução real.

Mas havia um segredo para a longevidade do reinado de Gustaff: ele nunca deixou de atualizar, pessoalmente, o dicionário do reino. Dez anos depois de ser coroado, ele anunciou, com pompa e circunstância, sua obra magna: a Versão Definitiva do Dicionário Oficial. Nessa versão, a palavra REI passou a significar DEUS, GUSTAFF se tornou INVENCÍVEL, e ESCRAVIDÃO passou a querer dizer LIBERDADE. Com o lançamento dessa versão, Gustaff I, o Deus Invencível, libertou todo o seu povo, para sempre.   

Para George Orwell

domingo, 22 de março de 2020

O EFEITO ÁGABO – A Igreja e as crises globais





O livro de Atos nos relata a vez em que o profeta Ágabo previu, pelo Espírito, que uma grande fome viria sobre todo o mundo. Essa profecia se cumpriu alguns anos depois. Antes disso, porém, com base nessa previsão, os cristãos juntaram recursos financeiros para socorrer os irmãos que sofreriam com essa fome na região da Judeia.

É curioso perceber que a igreja, ao receber o alerta do profeta, não se uniu em oração para repreender a tal fome. O motivo eu desconheço. Talvez o profeta tenha recebido, junto com a profecia, a revelação de que a situação não poderia ser mudada com orações. Ainda assim, havia um propósito na previsão: que os irmãos se preparassem para ajudar as pessoas que viriam a sentir o impacto da fome. Provavelmente, os mais pobres.

A Igreja de hoje, em todo o mundo, está diante de uma realidade que guarda similaridades com aquela descrita em Atos. Uma emergência de amplitude global, que está trazendo consequências para praticamente cada pessoa na face da terra. Devemos orar, é claro. Mas será que não está na hora de fazermos algo além? A Igreja, ao longo da história, tem marcado o mundo através do acolhimento aos necessitados, daqueles que se encontram em situação de total desamparo. É por isso que a Igreja criou santas casas de misericórdia, orfanatos e leprosários. É por isso que tivemos São Francisco de Assis e Madre Tereza de Calcutá.

Esse é um momento em que o mundo precisa não só de respostas, mas também de ajuda. As previsões mais otimistas indicam que teremos não só mais desemprego em um futuro próximo, mas também que o poder de compra de grande parte da população vai diminuir drasticamente durante alguns meses. Talvez seja o momento da Igreja agir mais como Igreja, tocando um mundo assustado e necessitado com boas obras. Historicamente, a Igreja costuma funcionar melhor quando olha pra fora, ao invés de apenas para dentro. Existe a oportunidade de sermos uma bênção ainda maior para o mundo, sendo Jesus na vida de muitas pessoas. Iremos aproveitá-la?



quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

É BONITINHO, MAS NÃO É BÍBLICO (Parte I) - “Deus não une pessoas, Ele une propósitos”





É BONITINHO, MAS NÃO É BÍBLICO (Parte I)

“Deus não une pessoas, Ele une propósitos”

A afirmação acima, embora muito popular no meio evangélico (principalmente em celebrações de casamentos) carece de uma base bíblica adequada. De fato, ela vai frontalmente contra algo que o próprio Jesus falou: “Portanto, o que Deus uniu, ninguém o separe" (Mateus 19:6).

Jesus, neste caso, não está falando sobre uma união de propósitos, mas de pessoas, o que fica claro nos versículos anteriores: “Vocês não leram que, no princípio, o Criador ‘os fez homem e mulher’ e disse: ‘Por essa razão, o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher, e os dois se tornarão uma só carne’? Assim, eles já não são dois, mas sim uma só carne” (Mateus 19:4-6). Quando Jesus fala sobre essa união feita por Deus, ele está falando, então, sobre o bom e velho casamento, ou seja, duas pessoas que se unem pelos laços do matrimônio.

Mas, mesmo quando entendemos que o casamento bíblico é a união de dois seres humanos que se amam, e não de dois propósitos que coincidem, essa afirmação de Jesus pode nos levar a outro tipo de erro, no caso, a ideia de que Deus tem o costume de arbitrar sobre a vida sentimental de Seus filhos, unindo aqueles que Ele considera compatíveis: a antiga ideia da “alma gêmea”, descrita por Platão no “Banquete” e aceita, mesmo que não oficialmente, por seguidores de várias religiões, inclusive cristãos. A romântica e agradável ideia da “tampa da panela”, o pensamento reconfortante de que Deus está nos “preparando alguém”, embora possa servir de consolo para aqueles que estão esperando a chegada da “pessoa amada”, também carece de base bíblica.

Mas, você pode questionar, Jesus não havia dito que “Deus uniu”? Sim, mas ele baseia seu argumento no livro de Gênesis, citando o trecho “o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher, e eles se tornarão uma só carne” (Gênesis 2:24). Note que quem “deixa pai e mãe e se une à mulher” é o homem. Ele “escolhe” fazer essas coisas. O que Jesus está dizendo é que, ao fazer sua escolha na terra, a mesma é ratificada, por Deus, no céu. Essa, embora possa parecer uma afirmação estranha a princípio, bate com aquilo que Jesus ensinou a respeito da concordância: “Em verdade vos digo: Tudo quanto ligardes na terra será ligado no céu; e tudo quanto desligardes na terra será desligado no céu. Ainda vos digo mais: Se dois de vós na terra concordarem acerca de qualquer coisa que pedirem, isso lhes será feito por meu Pai, que está nos céus” (Mateus 18:18,19).

Que fantástico! Deus aprova o casamento e o considera consumado a partir da concordância do casal, na terra. O casamento é, assim, o resultado de uma escolha humana, que é ratificado espiritualmente por Deus. “Mas, será que Deus já não tem alguém preparado pra mim?”, você poderia questionar. Esse conceito, embora pareça espiritual, não tem bases bíblicas fortes, principalmente no Novo Testamento. No Velho Testamento temos UMA situação em que Deus claramente ajudou uma pessoa a encontrar uma esposa: no caso, Isaque, cuja mulher, Rebeca, foi trazida de longe, de sua parentela, através da ação de Jeová, que orientou o servo de Abraão a encontrar os parentes desse último e sua futura nora. Mas, mesmo neste caso, percebemos que a vontade de Rebeca foi necessária para que o casamento acontecesse: “Chamaram, pois, a Rebeca, e lhe perguntaram: ‘Irás tu com este homem?’; Respondeu ela: 'Irei'” (Gênesis 24:58). Deus agiu no sentido de encontrar a parentela de Abraão, mas o casamento seria resultado da vontade dos noivos, como esclareceu o próprio Abraão: “Se a mulher, porém, não quiser seguir-te, serás livre deste meu juramento; somente não farás meu filho tornar para lá” (Gênesis 24:8).

Mas, hoje, vivemos no e de acordo com o Novo Testamento. E o que ele diz sobre casamento? A orientação que o apóstolo Paulo (aquele que não era casado e, ainda assim, era completo e satisfeito, contrariando esse outro pensamento enraizado na cultura evangélica, de que as pessoas precisam casar para serem felizes) dá para as viúvas que desejam se casar vale para qualquer um que esteja procurando um companheiro de vida: “A mulher está ligada a seu marido enquanto ele viver. Mas, se o seu marido morrer, ela estará livre para se casar com quem quiser, contanto que ele pertença ao Senhor” (I Coríntios 7:39). Que maravilha! A mulher deve se casar com quem QUISER! “Mas não é com quem o Espírito indicar, ou o pastor, ou o profeta”? Não, é com quem a gente QUISER. Quantos sofrimentos teriam sido evitados ao Corpo de Cristo se essa simples orientação tivesse sido obedecida. Podemos casar com quem quisermos, desde que ambos compartilhem da mesma fé (por motivos óbvios). Quão libertadora é essa palavra!

“Mas, se não existe essa tal pessoa certa pra mim, como saber se o meu casamento vai dar certo?” Uma boa resposta talvez seja essa: “um casamento não ‘dá certo’, NÓS fazemos ele dar certo”. Com ajuda de Deus, é claro. É como se o casamento fosse uma casa, que o casal constrói. O material de construção, eles escolhem. Alguns o fazem com o que aprenderam dos pais, de pessoas que respeitam, de livros que leram, de conselhos de amigos, daquilo que viram nos filmes e nas novelas. O material, sendo de boa ou baixa qualidade, é o que eles terão pra trabalhar. Mas todos sabemos que, mesmo que o material seja bom, ele sozinho não faz uma habitação. É o trabalho duro que levanta a construção. O casamento é muito parecido com essa ilustração. É um trabalho diário, e que aos poucos vai se tornando uma casa. Uma casa pode ser até bonita (exigiu muito esforço), mas, se não foi feita com material de qualidade, não resistirá ao tempo e acabará apresentando rachaduras, podendo até cair. Já uma casa pode ser feita com bom material e mesmo assim não crescer, caso não haja esforço envolvido, e poderá se tornar apenas uma quitinete, resistente, mas sem grandes atrativos. Nós, que somos casados e cristãos, temos a faca e o queijo na mão. Podemos escolher o melhor material (a Palavra de Deus), rejeitar o material de segunda, e botarmos a mão na massa para fazermos para nós mesmos uma mansão onde poderemos passar os melhores dias de nossas vidas. Cada esforço, cada perdão, cada palavra de consolo, carinho e ânimo se tornarão tijolos que, aos poucos, farão de nossos casamentos empreendimentos de sucesso. Nenhum casamento é algo “feito”, ele é sempre um processo. É onde a matemática de Deus mostra o quanto é maravilhosa e surpreendente: um mais um, no casamento, é igual a um, mas também é três, quando Jesus afirma que “onde se reunirem dois ou três em meu nome, ali eu estou no meio deles" (Mateus 18:20).