terça-feira, 26 de maio de 2020

NEM PSICOGRAFADA, NEM DITADA: INSPIRADA!



NEM PSICOGRAFADA, NEM DITADA: INSPIRADA!


Embora os três evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas) falem da vez em que Jesus foi rejeitado pelos moradores de sua cidade natal, Nazaré, em apenas uma Ele aparece citando o provérbio “Médico, cura-te a ti mesmo!” para comentar a rejeição de seus conterrâneos. Curiosamente, o único evangelista a fazer isso é Lucas. Ainda mais curioso: ele era médico.

Apenas uma vez, nos quatro evangelhos canônicos, Jesus aparece pagando o Imposto do Templo. A passagem é narrada apenas por Mateus. Que, por coincidência, era cobrador de impostos.

A cura do homem da mão ressequida também é narrada nos três sinóticos, mas é apenas o evangelho de Marcos que traz a seguinte informação a respeito dos sentimentos de Jesus: “IRADO, olhou para os que estavam à sua volta e, PROFUNDAMENTE ENTRISTECIDO por causa dos seus corações endurecidos, disse ao homem: ‘Estenda a mão’ ”. Acredita-se que o evangelho de Marcos foi escrito por João Marcos, sobrinho de Barnabé e muito próximo do apóstolo Pedro, que provavelmente foi quem passou as informações contidas no livro. É interessante notar que uma das características marcantes da personalidade de Pedro era justamente sua passionalidade, a maneira como suas emoções afloravam e guiavam suas decisões. Seria coincidência ser esse o evangelho que destacou com tanta ênfase os sentimentos de Jesus?

No Velho Testamento, temos a história de Débora, única juíza (uma espécie de líder militar e governante) da história de Israel. Guiando o povo escolhido de Deus, a profetisa Débora obteve uma importante vitória militar contra o exército do rei de Canaã, comandado por Sísera, que acabou morrendo durante a batalha. A Bíblia registra o “canto de vitória” entoado por Débora depois da batalha. Alguns versos em especial chamam a atenção: “A mãe de Sísera olhava pela janela, e exclamava pela grade: Por que tarda em vir o seu carro? Por que se demoram os ruídos dos seus carros?” No Velho Testamento, vemos vários relatos de mortes de guerreiros e líderes, mas foi necessário uma mulher para ter o seguinte pensamento: “Como estará a mãe dele?” Sensibilidade e empatia não são exclusividade do sexo feminino, mas não podemos negar que foi uma mulher a responsável por levantar a questão sobre a qual tantos escritores homens passaram por cima sem perceber.

Toda a introdução acima é só pra destacar uma coisa: a Bíblia não é um livro psicografado (ou seja, Deus não possuiu os corpos dos escritores para que escrevessem os livros bíblicos) e nem ditado (Deus não ficou sentado ao lado dos profetas, falando palavra por palavra o que deveria ir pro papel, ou pro pergaminho, ou pro papiro). A Bíblia afirma, sobre si mesma, que ela é inspirada: “Toda a Escritura é inspirada por Deus, e útil para ensinar, para repreender, para corrigir e para formar na justiça” - 2 Timóteo 3:16. A palavra grega para isso é theopneustos, literalmente “soprada por Deus”. Pedro diz que a Escritura foi feita por homens de Deus movidos pelo Espírito Santo. “Movidos” (phero), aqui, significa “dirigidos”. O Espírito Santo, portanto, inspirou e moveu homens, mas quem escreveu, de fato, foram eles.

Na Bíblia, Deus escreve apenas em duas ocasiões: na pedra, quando da entrega dos Dez Mandamentos, escritos pelo “dedo de Deus” (Êxodo 31:18); e na areia, quando Jesus, Deus encarnado, escrevia durante o julgamento da “mulher adúltera”. Foi Deus quem escolheu que fosse dessa forma. Não temos um “evangelho segundo Jesus Cristo”, porque Ele optou por inspirar, com sua vida, para que outros homens escrevessem sobre sua história. A autoria da Palavra de Deus, por incrível que possa parecer, é humana. É tão humana que o próprio Jesus admite que a Lei de Moisés não correspondia exatamente à vontade de Deus, mas foi adaptada para a audiência da época em que fora escrita: “Moisés, por causa da dureza dos vossos corações, vos concedeu separar-se de vossas mulheres. Mas não tem sido assim desde o princípio”.

É como se Deus houvesse colocado uma imagem diante dos autores das Escrituras, e permitido que os homens, baseados nessa imagem, fizessem uma bela escultura ao longo dos séculos, cada um contribuindo de acordo com sua capacidade e nível de revelação, que foi aumentando ao longo dos tempos. Essa escultura representa uma imagem genuinamente divina, isso é inegável, mas também é inegável que as digitais de seus escultores estão espalhadas por todo lugar.  

terça-feira, 12 de maio de 2020

Pastores podem pegar o coronavírus? Mas e a fé?




Não sei você, mas eu fiquei um pouco confuso ao ouvir notícias sobre alguns pastores que negavam os perigos do COVID-19, não tomaram os cuidados necessários (mesmo indo contra as recomendações governamentais) e acabaram morrendo, vítimas justamente do coronavírus. Achei estranho porque acredito na cura e na fé, e o que aconteceu com esses queridos irmãos parece ir contra os princípios que aprendemos sobre como colocar a fé em prática. Afinal, eles (1) confessaram (“esse vírus não é de nada”, “não vou pegar”, “essa doença não existe”) e (2) tiveram atitudes correspondentes (se expuseram ao contágio). O que aconteceu nesses casos? Por que a fé não funcionou para esses ministros cristãos que, afinal, estavam apenas pregando a Palavra e evangelizando?

Vamos voltar alguns anos atrás, para a viagem feita pelo apóstolo Paulo para a cidade de Roma, onde compareceria, como prisioneiro, perante César. Conforme nos relata o livro de Atos, antes de embarcar no navio, uma palavra veio a Paulo, de que a viagem seria “desastrosa e acarretará grande prejuízo para o navio, para a carga e também para as nossas vidas”. O centurião, mesmo ouvindo a advertência de Paulo, preferiu “seguir o conselho do piloto” e o resultado foi, como Paulo havia previsto, desastroso. A vida de Paulo foi salva porque havia uma necessidade de que ele “comparecesse perante César”, e a graça de Deus fez o restante, poupando a vida de todos os outros embarcados, mas o saldo final da viagem foi a perda da carga e do próprio navio. Uma dúvida que eu sempre tive, e que imagino possa ser a de outras pessoas também, é a seguinte: “Por que não Paulo não repreendeu a tempestade?” Afinal, ele era seguidor de Jesus, que havia acalmado a chuva e o vento em mais de uma ocasião. Além disso, quando realizava esses feitos, Ele deixava bem claro que era a fé que permitia esse tipo de intervenção na natureza, e que os discípulos podiam fazer o mesmo, se não fossem tímidos. Se é assim, porque Paulo não repreendeu a tempestade, mesmo possuindo tanta fé e ousadia?

Para encontrar a resposta, devemos voltar ainda mais no tempo, e dar uma boa olhada na vida de Jesus. Antes de dar início ao seu ministério, o Mestre foi tentado pelo diabo para que saltasse do alto do templo, baseado em um trecho do Velho Testamento: “Ele dará ordens a seus anjos a seu respeito, e com as mãos eles o segurarão, para que você não tropece em alguma pedra”. A resposta de Jesus também foi um trecho das Escrituras: “Não ponha à prova o Senhor, o seu Deus”. O que Jesus entendeu naquele dia foi que colocar-se em uma situação de perigo espontaneamente, esperando que Deus o salvasse, seria uma afronta, ou seja, uma maneira de “pressionar Deus” a fazer algo. Foi por isso que Jesus recusou, vencendo assim a tentação apresentada.

A situação de Paulo foi semelhante. Existia uma palavra de alerta bastante clara, de que eles não deveriam navegar naquelas condições. Mesmo informados disso, os responsáveis pelo navio preferiram seguir sua própria vontade, ignorando o alerta divino e se colocando em uma posição de risco. Em uma situação do tipo, a oração da fé poderia funcionar para repreender a chuva e os ventos, mesmo quando todo o problema teria sido evitado apenas ouvindo o Espírito? Provavelmente não, tanto é que, no relato, não vemos Paulo nem tentando usar sua fé nesse sentido.

Chegamos nos dias atuais, e nos pastores vítimas da COVID. A exposição voluntária ao vírus não seria, também, uma maneira de “tentar” a Deus? Como se eles dissessem: “Vou fazer do meu jeito, e Deus vai me proteger”? Talvez a grande lição de tudo isso seja que a fé não se resuma a apenas “confessar e agir de acordo”. A fé bíblica, a fé que nos salvou e que nos permite vencer o mundo, é uma fé baseada nas Escrituras, uma fé que “vem pelo ouvir, e ouvir a Palavra de Deus”. É uma fé que não pode funcionar quando exercida em desacordo com os princípios bíblicos. Não pode ser exercida em rebeldia, por exemplo. Ignorar os avisos das autoridades, médicas e governamentais, não é fé, é teimosia e rebeldia. A Fé não é uma fórmula mágica, uma receita de bolo, um passo-a-passo. A fé é um estilo de vida, que passa pela submissão à Palavra de Deus, e que opera pelo Amor. Ignorar isso é querer que a fé seja algo que ela não é, é as consequências podem ser desastrosas, como a Bíblia sempre ensinou, e a História insiste em confirmar.