O GÊNIO
Quando
saiu de casa, naquela manhã fria, a última coisa que Adriano imaginava é que
encontraria um gênio. No entanto, contra todas as probabilidades, foi
exatamente o que aconteceu.
O
gênio (um sujeito baixo, meio calvo e gordo por inteiro, a pele de um tom
azulado e as orelhas estranhamente pontudas), estava, como manda a tradição, em
uma velha lâmpada dourada, que se encontrava jogada na beira da sarjeta.
Adriano, ao se deparar com o inesperado objeto (ainda mais inesperado por não
estar jogado em uma rua deserta de uma pequena cidade do Oriente Médio, mas sim
em uma movimentada via de mão dupla na zona leste de São Paulo), fez o que
qualquer jovem pobre e desempregado faria naquela situação: apanhou rapidamente
a peça brilhante, pensando se ela poderia valer alguma coisa, provavelmente se
vendida para um ferro-velho.
Você,
que está agora lendo esta história, com certeza já deduziu que o jovem, em uma
tentativa de limpar a velha lâmpada, acabou por libertar o já citado gênio, que
surgiu em frente à Adriano com uma expressão jovial e alegre, típica de quem
agora estava livre, depois de passar um longo tempo em reclusão (532 anos, para
ser mais exato).
De
imediato, o velho gênio informou ao jovem que, pela bondade demonstrada ao
libertá-lo de sua prisão dourada, Adriano teria direito a três desejos.
-
Qualquer coisa?
-
Claro, basta pedir.
O
jovem, depois de pensar por uns 10 segundos, declarou qual era o seu primeiro
desejo:
-
Quero ser rico.
-
Sem problemas, seu desejo será realizado –
afirmou o gênio, que tinha o nome de Habib Haddad Jabir Kamal, mas preferia ser chamado
de Eugênio.
-
Então? - perguntou Adriano, ansioso.
-
Então o quê?
-
O dinheiro, cadê?
-
Ora, onde ele sempre esteve: nos bancos, nas
carteiras das pessoas, nos caixas de supermercados...
-
Não estou entendendo. É uma pegadinha? - indagou
Adriano, já um pouco exaltado.
-
Ora, claro que não. Mas você precisa entender,
jovem amo, que eu sou um gênio, não um criminoso. Só existem três formas em que
eu poderia lhe arrumar dinheiro. A primeira, a mais fácil, seria criar o
dinheiro com meus poderes. Mas não adiantaria muito, porque as notas possuem
número de série, e qualquer nota que não tenha saído do Banco Central seria
apenas uma falsificação, e você ser pego com uma nota falsa não lhe traria nada
além de problemas. A segunda forma seria pegar o dinheiro de outra pessoa e
passá-lo para você. Mas isso eu não faria jamais, por motivos éticos, é claro.
-
E a terceira?
-
Bom, a terceira seria eu lhe arrumar um bom
emprego, onde você receberia, de forma honesta e constante, os valores que lhe
fariam um homem rico.
-
Tudo bem. E onde está esse emprego?
-
Bom, amo, você precisa entender que os melhores
empregos normalmente são ocupados por pessoas com uma qualificação especial,
obtida através de anos de dedicação aos estudos.
-
É, mas essa formação eu não tenho. Parei na
sexta série.
-
Então acredito que seja hora de começarmos a
resolver essa situação.
E
foi então que Adriano, incentivado pelo simpático gênio, passou a descobrir o
que faria para obter uma educação que o ajudasse a obter uma boa colocação no
mercado de trabalho.
Após
o gênio explicar que não poderia criar, do nada, um diploma (“não seria
reconhecido por nenhuma faculdade, infelizmente”), ambos começaram a pesquisar
sobre como o jovem poderia se formar. A escolha foi pelo supletivo, e, após
dois anos de estudo diligente, já que obter magicamente as respostas estava
fora de questão (“impedimentos éticos”), Adriano conseguiu, enfim, se formar.
Ele estava, agora, preparado para a próxima fase de sua caminhada rumo à
fortuna: escolher um curso universitário.
-
Eu sempre gostei de animais – confessou para
Eugênio, que chegou à conclusão
imediata de que Adriano deveria
fazer o curso de Veterinária (ele era um gênio, afinal).
Em
pouco tempo Adriano estava matriculado em um excelente cursinho, que pagava com
o salário que recebia de um trabalho de meio expediente que arrumou em uma
firma de limpeza de móveis a domicílio. Adriano não passou no vestibular da
primeira vez, o que quase o fez desistir, mas o apoio incondicional e os
conselhos de Eugênio o convenceram a tentar mais uma vez, e foi assim que ele
ingressou em uma Universidade Pública de alto nível para, finalmente, realizar
o curso tão sonhado.
Foram
anos de esforço e estudos até que Adriano obtivesse o tão desejado diploma.
Então, mais alguns anos se passaram até que ele conseguisse abrir a própria
clínica, através de um empréstimo da Caixa Econômica. Foi em uma manhã quente
de domingo, enquanto preparava sua declaração de Imposto de Renda, que Adriano
se deu conta: estava rico.
-
Eugênio – disse, enquanto esfregava a velha
lâmpada que conservava ao lado da cama – quero fazer meu segundo desejo.
O
gênio surgiu imediatamente, com a jovialidade de sempre.
-
Pois não, querido amo, em que posso servi-lo?
-
Quero me casar.
-
Sem problemas, seu desejo será realizado –
respondeu o gênio, com a tranquilidade que lhe era característica.
-
E onde ela está?
-
Ora, isso teremos que descobrir juntos.
-
Como assim?
-
Veja, amo, como você sabe, já temos algum tempo
de convivência, e é justo que eu diga que lhe conheço um pouco melhor do que da
primeira vez que nos encontramos. Quando você diz que quer uma esposa, devo
dizer que entendo que esta esposa deve trazer algumas características
específicas, que eu acredito que você considere fundamentais.
-
E quais seriam?
-
Principalmente, acredito que você deseja que ela
o ame.
-
Isto é óbvio.
-
Sim, claro, como eu imaginei. E você entende,
por certo, que o amor, para ser amor, deve ser espontâneo, senão não seria
amor, mas uma simples imposição.
-
É claro.
-
Perfeitamente claro! Agora, do meu ponto de
vista, eu teria duas opções para lhe arrumar uma esposa imediatamente. A
primeira seria criar a mulher do nada, usando meus poderes mágicos. Mas essa
mulher, vamos chamá-la assim, teria que ser criada com a ausência de algo que
pertence a todos os seres humanos (e permita que eu faça essa distinção, já que
nós, gênios, não sofremos dessa particularidade, já que vivemos apenas para
realizar os desejos de nossos amos), que seria a faculdade do livre-arbítrio,
ou da liberdade de escolha. Se eu a criasse dessa forma, ela poderia ser
chamada de qualquer coisa, menos de um ser humano. E eu acredito que você
deseje, como esposa, alguém que possa ser considerado, pelo menos, humana.
-
Concordo.
-
Pois bem, passemos então à segunda opção: você
poderia escolher uma mulher já existente, real, de sua preferência, e eu usaria
meus poderes para fazer com que ela se apaixonasse perdidamente por você. Ao
fazer isso, porém, esbarraríamos no mesmo problema: a sua futura esposa não
teria nenhuma escolha no processo. De fato, você estaria se casando com um ser
tolhido de sua característica mais humana, que é a capacidade de tomar decisões
conscientes. E o pior não é isso: você, com o tempo, a amará de verdade, e
sofrerá diariamente com o fato de não saber se é correspondido, ou se todo o
sentimento que ela demonstra por você é simplesmente a maneira como eu ordenei
que ela agisse. Seria, de fato, um inferno.
-
Entendo. Será que você sugere alguma outra
opção?
-
Na verdade, sugiro sim. É, ao meu ver, a única
solução que atenderia ao que você, de fato, precisa.
-
E como seria isso?
-
Bom, primeiro, vamos nos concentrar em uma
mulher real.
-
Tudo bem, mas qual?
-
Ora, você escolhe. Mas o ideal seria uma que
tivesse alguma coisa em comum com você. Que goste de animais, por exemplo.
-
Sim, talvez alguma cliente...
-
Ou alguma colega. Convenções são boas
oportunidades de conhecer pessoas. Depois, você só tem que ser você mesmo, e
aí, se ela quiser, poderá dar, espontaneamente, o amor que você procura em uma
esposa. Se não, poderá tentar com outra, até encontrar, de fato, o que você
precisa.
Assim,
em pouco tempo, seguindo os conselhos do gênio, Adriano estava namorando uma
bela e jovem veterinária gaúcha. O casamento aconteceu em Porto Alegre, seguido
de uma festa pequena e bonita, com a presença dos parentes mais próximos e amigos
mais chegados. Eugênio, é claro, foi um dos padrinhos, o mais feliz e radiante.
O
casamento havia ocorrido há apenas poucas semanas quando Adriano esfregou a
lâmpada pela terceira vez. Eugênio surgiu em meio a uma nuvem de fumaça, com a
polidez que lhe era característica:
-
Pois não, Amo. Pronto para fazer seu último
desejo?
-
Sim, acho que, finalmente, estou pronto.
-
E qual seria?
-
Bom, Eugênio, o que eu quero mesmo é viver para
sempre.
Eugênio
abriu um sorriso largo, resignado, como se já houvesse ouvido o mesmo desejo
centenas de vezes antes (e de fato ouvira).
-
Sem problemas, seu desejo será realizado. De
fato, o momento é dos mais oportunos, visto que agora o senhor é um homem
casado. A maneira mais simples, e a mais antiga, de viver para sempre, é tendo
filhos. Mas, atenção: ter filhos não é suficiente. Você precisa participar
ativamente da criação deles, incutindo nos pequenos os seus princípios
pessoais, que eles vão levar para a vida toda e, um dia, passar adiante, para
seus próprios filhos. Além de ter filhos, eu sugeriria que o senhor começasse a
escrever um livro...
-
Olha, Eugênio, esta conversa está muito
interessante, mas não é nada disso que eu quero. O que eu desejo na verdade é
nunca morrer mesmo, fisicamente. E quero ver você me provar que do seu jeito é
melhor.
O
gênio respirou fundo, antes de continuar, calmamente:
-
Veja bem, Amo, já convivemos há um bom tempo, e
por isso peço que respeite minha ousadia em falar com o senhor da maneira mais
franca possível. A verdade, senhor, é que viver para sempre, fisicamente, não é
a melhor das ideias. Sabe, você é humano, e humanos têm doenças, envelhecem, se
machucam, são mutilados. Se qualquer uma dessas coisas te acontecer, será uma
eternidade sofrendo, e o pior, sem possibilidade de alívio. Além disso, pense
na solidão. Você veria todos que ama morrerem, esposa, filhos, netos. No fim,
ficaria sozinho, sempre. Não é a melhor das perspectivas, concorda?
-
É, acho que sou obrigado a concordar. Mas,
então, não existe opção?
-
Bom, apenas uma me vem à mente. E implica, em
primeiro lugar, que você abra mão de ser humano. Só assim você vai evitar as
mazelas trazidas pelo envelhecimento e a morte.
-
Mas, se eu não for humano, serei o que, então?
-
Ora, um gênio, é claro.
E
Eugênio passou a próxima meia-hora explicando para Adriano o que implicava ser,
efetivamente, um gênio: a vida dentro da lâmpada, a quase onipotência, a
obediência irrestrita aos desejos dos amos, a eternidade. Adriano ponderou
todos os detalhes, mas estava mesmo decidido. Ao final da explanação, confirmou
que sua vontade era mesmo se tornar um gênio. Apenas uma coisa o incomodava:
como ficaria sua jovem esposa.
-
Acho que tenho uma solução para isso também.
-
E qual seria?
-
Bom, você precisa de um corpo de gênio, e sua
esposa precisa de você. Ao meu ver, uma simples troca de mentes poderia
resolver tudo.
-
Quer dizer, você vem para o meu corpo, e eu para
o seu?
-
Exatamente.
-
Mas, você seria...
-
Um bom marido? Acredito que possa ser um marido
dos sonhos.
A
mudança foi realizada naquela noite mesmo. Em alguns minutos, Adriano estava no
velho corpo de Eugênio e, como bom gênio, se mudou imediatamente para dentro da
lâmpada.
Passaram-se
cerca de duzentos anos antes que Adriano saísse, pela primeira vez, da lâmpada
mágica. Quando saiu, deparou-se com uma garota jovem, bonita, um pouco acima do
peso, que deu um grito histérico ao ver sair um gênio de dentro daquela
velharia que havia encontrado, por acidente, jogada em uma ciclovia pouco
movimentada na cidade de Nova São Paulo, capital do jovem país de Brasil do Sul
(nascido após uma guerra separatista iniciada no ano de 2145). Após o susto
inicial, porém, Érikkah (era esse o nome da jovem) aceitou a situação
excepcionalmente bem, e ficou extremamente feliz ao ser informada de seu
direito aos três desejos.
-
Quero emagrecer – desejou, após cerca de cinco
segundos de hesitação.
- Olha, ama, eu poderia, com meus poderes, fazer
com que você emagrecesse imediatamente. Porém, de que isso lhe adiantaria? Logo
você engordaria novamente. E então, irá gastar outro desejo para emagrecer de
novo?
-
Não me parece uma boa ideia... O que você
sugere, gênio?
Adriano,
bastante à vontade em seu novo papel, passou então a explicar para Érikkah que
o melhor a fazer seria uma reeducação alimentar, para que ela perdesse peso de
forma saudável e sem voltar a engordar no futuro. Ela logo foi convencida de
que os resultados demorariam mais a aparecer, mas certamente seriam duradouros.
O próximo passo, então, foi procurar um endocrinologista (que, no futuro, serão
chamados de gordurólogos) para realizar uma consulta e montar um cardápio para
dar início ao processo de emagrecimento.
A
pesquisa foi feita através de um antel - um anel que, respondendo imediatamente
aos pensamentos do usuário, serão a forma usual de se conectar à linknet (a
internet do futuro). Foram apenas alguns nanossegundos para que Adriano
localizasse uma gorduróloga próxima e agendar a consulta para a manhã seguinte.
Mas, antes de devolver o antel para sua ama, um pensamento passou pela cabeça
de Adriano, e esse pensamento foi o suficiente para que o aparelho realizasse
uma pesquisa. Em segundos, a mente do gênio foi invadida por imagens e
informações sobre a vida vivida por ele mesmo, dois séculos atrás.
Ele
se viu tendo quatro filhos com a esposa, que foi de fato o amor de sua vida,
ficando ao seu lado até o fim. Além da clínica veterinária, o casal também
montou uma ONG para recolher animais abandonados nas ruas e encaminhá-los para
a adoção. O livro que Adriano escreveu (“Seja o seu próprio gênio! – Você tem o
direito de realizar seus desejos”) vendeu razoavelmente bem, e informações da
época diziam que sua leitura influenciou, para melhor, a vida de milhares de
pessoas. Adriano morreu velho, aos 97 anos, cercado pelos filhos e netos e
contando com o respeito e admiração de todos os que o conheciam.
- Parabéns, Eugênio, você estava mesmo certo –
murmurou resignado, antes de devolver o antel para Érikkah.
Foi
uma grande surpresa quando ela se transformou, bem diante de seus olhos, no bom
e velho Eugênio, que olhava divertido para o boquiaberto Adriano.
-
Eugênio? O que aconteceu com a Érikkah, com o
futuro? Por que voltei pro meu velho apartamento?
-
Voltar? Você não foi a lugar nenhum, amo. Apenas
realizei seu último desejo. Lembra do que você disse: “Quero ver você me provar
que do seu jeito é melhor”? Palavras suas...
-
Então é isso? Acabaram os desejos?
- Os desejos não acabam nunca, amo. Mas agora você
está preparado para seguir atrás deles, sem precisar da ajuda de um velho
gênio. Com sua licença, vou me retirar para minha lâmpada, até ser invocado
novamente.
Adriano
e Eugênio se despediram ali, pela última vez. Depois de jogar a lâmpada no
córrego de um bairro vizinho, Adriano voltou correndo para casa. Afinal, tinha
muita coisa para fazer.