sábado, 30 de novembro de 2019

E SE NÃO FOSSE PELA FÉ?





E SE NÃO FOSSE PELA FÉ?

Nós, que somos cristãos, ou seja, que decidimos, um belo dia, viver nossas vidas partindo do princípio de que existe um Deus sábio, todo-poderoso e perfeito, e que além de tudo isso decidiu nos amar, e que ainda por cima enviou seu Único Filho (que também é Deus, todo poderoso e perfeito) para morrer em nosso lugar, não somos estranhos à ideia da “fé”.

Fomos devidamente informados de sua importância: sabemos que o “justo” [ou seja, aquele que é considerado digno de ter um relacionamento com Deus] vive por essa tal fé (foi baseado nessa certeza, inclusive, que Lutero, um jovem monge alemão seguidor da Ordem de Santo Agostinho resolveu romper com toda a ideia de salvação pelas obras presente em sua época e inaugurar uma nova, baseada na sola fide – somente pela fé) [Romanos 1:17]; sabemos que, sem essa fé, é IMPOSSÍVEL agradar a Deus, isso escrito em um livro que considera “todas as coisas possíveis” (apenas para o que crê, é claro, o que garante a integridade lógica do conjunto que abriga, simultaneamente, essas duas afirmações) [Hebreus 11:6 e Marcos 9:23]; e também entendemos que a fé, ao invés de ser um sentimento, pode ser definida simplesmente como uma certeza daquilo que não pode ser visto, uma definição ao mesmo tempo simples e avassaladora, uma vez que essa noção de fé nos obriga a colocar em um plano inferior justamente aquilo em que aprendemos a acreditar desde que nos entendemos por gente: nossos sentidos físicos [Hebreus 11:1].

Não há dúvidas de que viver pela fé, ou mesmo apenas ter fé, é bastante desafiador. É preciso esforço para crer naquilo que não podemos comprovar com nossos olhos, ouvidos ou tato. É necessária uma vontade resoluta para irmos contra aquilo que nossos corpos nos apresentam como sendo a pura verdade, verificável a olho nu. Temos que acreditar (e viver como se acreditássemos) que existe um mundo invisível e inverificável, o qual não pode ser vislumbrado ou fotografado (nem mesmo com tecnologia avançada), onde passaremos a eternidade, assim que esse mundo visível deixar de existir, seja apenas para nós (em nossa morte física) ou para todos (na Segunda Vinda de Jesus). Sim, a vida pela fé implica não só em acreditarmos em algo não comprovado ocorrido no passado, mas também em alguma coisa que vai ocorrer em um futuro indefinido e que vai mudar tudo o que conhecemos. “Haja fé”, diria alguém.

O desafio de viver pela fé pode nos fazer perguntar: “afinal, por que tanta dificuldade?” É realmente necessária, para que sejamos salvos do inferno (uma realidade eterna e horrível, também inverificável), essa “vida de fé”? Não seria mais fácil (e justo), já que estamos falando de um Deus bom, perfeito e amoroso, e que além disso garante querer que todos sejam salvos [I Timóteo 2:4], que as chances fossem ampliadas pelo fornecimento de provas mais “qualificadas”? Qual seria o problema de conseguirmos enxergar, mesmo que seja apenas algumas vezes na vida, a figura do Criador? E se Ele se mostrasse um pouquinho, talvez Sua silhueta gigante no céu, uma pegada quilométrica no deserto do Saara? Ou, quem sabe, se pudéssemos dar uma olhadinha no pós-vida, as delícias do céu ao lado de Cristo ou os tormentos do Hades e o sofrimento dos condenados? [Lucas 16] Não seria mais fácil crer em Cristo e em Sua salvação se as coisas fossem mais claras?

DESCRENDO EM UM DEUS VISÍVEL

Para responder essas perguntas, talvez seja interessante voltar para um tempo onde a existência ou não de um criador não chegava a ser uma questão. Veja, no Jardim do Éden, Deus podia ser visto, ouvido, e caminhadas ao Seu lado faziam parte da rotina de toda a humanidade: Adão e Eva, no caso. Conhecendo e convivendo com Deus, era óbvio que a fé do Primeiro Casal não era investida para que fosse possível crer na existência de um Deus invisível, como acontece conosco hoje, pelo menos entre aqueles que nunca tiveram uma visão do criador (grupo em que, infelizmente, ainda me encaixo).

Veja, estamos falando de pessoas que viam Deus diariamente, e ainda podiam comprovar sua bondade, afinal, tinham todas as suas necessidades supridas por esse criador, inclusive a de companhia. Ainda assim, vemos que o que iniciou a queda desse casal foi uma questão de falta de fé.

Vamos lembrar que, segundo o Apóstolo Paulo (alguém que podemos considerar um intérprete confiável do Velho Testamento), Adão não foi enganado, mas sim Eva [I Timóteo 2:14]. Foi assim: o diabo, inventor das Fake News, possuiu uma serpente e, através dela, incutiu na mulher duas dúvidas, ambas envolvendo o caráter do Criador. Primeiro, a serpente afirmou que Deus havia mentido (“certamente não morrerão” - Gênesis 4:4), e, em seguida, sugeriu que Ele não era tão bom assim, inclusive não querendo que os seres humanos atingissem seu pleno potencial, pois isso Lhe provocaria ciúmes [Gênesis 3:5]. Foi o suficiente para que a mulher cedesse à tentação e, a seguir, induzisse o homem a fazer o mesmo. Onde falhou a fé da mulher? Falhou exatamente onde poderia falhar: em crer no invisível. Embora a existência de Deus pairasse acima de qualquer suspeita, Seu caráter não podia ser visto. Podia, no máximo, ser percebido (pelas Suas obras em favor do ser humano), mas, para acreditar que Deus era exatamente o que Ele dizia ser (bom), era necessário fé. E foi essa que faltou à mulher.

Perceba, se acreditamos que Deus é justo, precisamos crer que todas as suas escolhas seguem o critério da justiça. E a fé que Eva e Adão tiveram que desenvolver para se manter no Paraíso é semelhante à fé que necessitamos para entrar nele. Crer na existência de Deus não é capaz de nos salvar. Tiago, meio-irmão de Jesus, deixa isso claro quando afirma que a fé que Deus existe é tão inútil para salvar os homens quanto se mostra para a salvação dos demônios. “Você crê que existe um só Deus? Muito bem! Até mesmo os demônios creem — e tremem!”, ele afirma no segundo capítulo de sua carta, que poderíamos traduzir da seguinte forma, sem prejuízo do sentido: “Você acredita em Deus? Grande coisa! Os demônios também, e nem por isso deixam de ser demônios”.

O importante não é crer na existência de Deus, mas em Seu caráter. E essa necessidade existiria mesmo se Deus estivesse governando o mundo agora, direto de Jerusalém, transmitindo seus mandamentos pela TV ou em lives do Facebook. De fato, a Bíblia nos mostra que, ao final de mil anos de um reinado físico e visível do próprio Jesus Cristo, uma parte da população será enganada pelo diabo para combater o próprio Deus na batalha final, mesmo experimentando Sua bondade por tanto tempo [Apocalipse 20]. Como o diabo poderá enganar as pessoas, se não for em relação ao caráter, a própria natureza invisível de Deus?

JÁ QUE NÃO TEM JEITO

Podemos perceber que, de fato, não existe a opção de “não viver pela fé”. Mesmo que as coisas fossem diferentes do que são, e o mundo invisível pudesse ser percebido por todos, uma parte (e justamente a parte importante) sempre se manteria invisível. Uma vida em que não houvesse necessidade de fé, em última análise, só seria possível para aqueles que fossem oniscientes. E dificilmente um ser onisciente poderia ser considerado humano. A própria noção de livre arbítrio, como o entendemos, seria difícil de aplicar a um ser com essas características. Mas acho que essa é uma discussão pra outro momento.

Por enquanto, podemos resumir as coisas adotando o conselho encontrado em Hebreus 11:6 - para nos aproximarmos de Deus precisamos crer que Ele existe (fé na existência) e que Ele recompensa os que O buscam (fé no caráter). E para desenvolvermos essa fé, só mesmo através da Bíblia, já que a fé vem pelo “ouvir, e ouvir a Palavra de Deus” [Romanos 10:17]. Opa, quer dizer então que a prova que temos que a Bíblia traz fé é que está escrito na própria Bíblia? Exatamente! De alguma forma, Deus colocou a fé e a prova da fé juntas no mesmo lugar, de forma que a Escritura atesta e confirma a Escritura. E isso também é fé.