E
SE NÃO FOSSE PELA FÉ?
Nós,
que somos cristãos, ou seja, que decidimos, um belo dia, viver
nossas vidas partindo do princípio de que existe um Deus sábio,
todo-poderoso e perfeito, e que além de tudo isso decidiu nos amar,
e que ainda por cima enviou seu Único Filho (que também é Deus,
todo poderoso e perfeito) para morrer em nosso lugar, não somos
estranhos à ideia da “fé”.
Fomos
devidamente informados de sua importância: sabemos que o “justo”
[ou seja, aquele que é considerado digno de ter um relacionamento
com Deus] vive por essa tal fé (foi baseado nessa certeza,
inclusive, que Lutero, um jovem monge alemão seguidor da Ordem de
Santo Agostinho resolveu romper com toda a ideia de salvação pelas
obras presente em sua época e inaugurar uma nova, baseada na sola
fide – somente pela fé) [Romanos 1:17]; sabemos que, sem essa
fé, é IMPOSSÍVEL agradar a Deus, isso escrito em um livro que
considera “todas as coisas possíveis” (apenas para o que crê, é
claro, o que garante a integridade lógica do conjunto que abriga,
simultaneamente, essas duas afirmações) [Hebreus 11:6 e Marcos
9:23]; e também entendemos que a fé, ao invés de ser um
sentimento, pode ser definida simplesmente como uma certeza daquilo
que não pode ser visto, uma definição ao mesmo tempo simples e
avassaladora, uma vez que essa noção de fé nos obriga a colocar em
um plano inferior justamente aquilo em que aprendemos a acreditar
desde que nos entendemos por gente: nossos sentidos físicos [Hebreus
11:1].
Não
há dúvidas de que viver pela fé, ou mesmo apenas ter fé, é
bastante desafiador. É preciso esforço para crer naquilo que não
podemos comprovar com nossos olhos, ouvidos ou tato. É necessária
uma vontade resoluta para irmos contra aquilo que nossos corpos nos
apresentam como sendo a pura verdade, verificável a olho nu. Temos
que acreditar (e viver como se acreditássemos) que existe um mundo
invisível e inverificável, o qual não pode ser vislumbrado ou
fotografado (nem mesmo com tecnologia avançada), onde passaremos a
eternidade, assim que esse mundo visível deixar de existir, seja
apenas para nós (em nossa morte física) ou para todos (na Segunda
Vinda de Jesus). Sim, a vida pela fé implica não só em
acreditarmos em algo não comprovado ocorrido no passado, mas também
em alguma coisa que vai ocorrer em um futuro indefinido e que vai
mudar tudo o que conhecemos. “Haja fé”, diria alguém.
O
desafio de viver pela fé pode nos fazer perguntar: “afinal, por
que tanta dificuldade?” É realmente necessária, para que sejamos
salvos do inferno (uma realidade eterna e horrível, também
inverificável), essa “vida de fé”? Não seria mais fácil (e
justo), já que estamos falando de um Deus bom, perfeito e amoroso, e
que além disso garante querer que todos sejam salvos [I Timóteo
2:4], que as chances fossem ampliadas pelo fornecimento de provas
mais “qualificadas”? Qual seria o problema de conseguirmos
enxergar, mesmo que seja apenas algumas vezes na vida, a figura do
Criador? E se Ele se mostrasse um pouquinho, talvez Sua silhueta
gigante no céu, uma pegada quilométrica no deserto do Saara? Ou,
quem sabe, se pudéssemos dar uma olhadinha no pós-vida, as delícias
do céu ao lado de Cristo ou os tormentos do Hades e o sofrimento dos
condenados? [Lucas 16] Não seria mais fácil crer em Cristo e em Sua
salvação se as coisas fossem mais claras?
DESCRENDO
EM UM DEUS VISÍVEL
Para
responder essas perguntas, talvez seja interessante voltar para um
tempo onde a existência ou não de um criador não chegava a ser uma
questão. Veja, no Jardim do Éden, Deus podia ser visto, ouvido, e
caminhadas ao Seu lado faziam parte da rotina de toda a humanidade:
Adão e Eva, no caso. Conhecendo e convivendo com Deus, era óbvio
que a fé do Primeiro Casal não era investida para que fosse
possível crer na existência de um Deus invisível, como acontece
conosco hoje, pelo menos entre aqueles que nunca tiveram uma visão
do criador (grupo em que, infelizmente, ainda me encaixo).
Veja,
estamos falando de pessoas que viam Deus diariamente, e ainda podiam
comprovar sua bondade, afinal, tinham todas as suas necessidades
supridas por esse criador, inclusive a de companhia. Ainda assim,
vemos que o que iniciou a queda desse casal foi uma questão de falta
de fé.
Vamos
lembrar que, segundo o Apóstolo Paulo (alguém que podemos
considerar um intérprete confiável do Velho Testamento), Adão não
foi enganado, mas sim Eva [I Timóteo 2:14]. Foi assim: o diabo,
inventor das Fake News, possuiu uma serpente e, através dela,
incutiu na mulher duas dúvidas, ambas envolvendo o caráter do
Criador. Primeiro, a serpente afirmou que Deus havia mentido
(“certamente não morrerão” - Gênesis 4:4), e, em seguida,
sugeriu que Ele não era tão bom assim, inclusive não querendo que
os seres humanos atingissem seu pleno potencial, pois isso Lhe
provocaria ciúmes [Gênesis 3:5]. Foi o suficiente para que a mulher
cedesse à tentação e, a seguir, induzisse o homem a fazer o mesmo.
Onde falhou a fé da mulher? Falhou exatamente onde poderia falhar:
em crer no invisível. Embora a existência de Deus pairasse acima de
qualquer suspeita, Seu caráter não podia ser visto. Podia, no
máximo, ser percebido (pelas Suas obras em favor do ser humano),
mas, para acreditar que Deus era exatamente o que Ele dizia ser
(bom), era necessário fé. E foi essa que faltou à mulher.
Perceba,
se acreditamos que Deus é justo, precisamos crer que todas as suas
escolhas seguem o critério da justiça. E a fé que Eva e Adão
tiveram que desenvolver para se manter no Paraíso é semelhante à
fé que necessitamos para entrar nele. Crer na existência de Deus
não é capaz de nos salvar. Tiago, meio-irmão de Jesus, deixa isso
claro quando afirma que a fé que Deus existe é tão inútil para
salvar os homens quanto se mostra para a salvação dos demônios.
“Você
crê que existe um só Deus? Muito bem! Até mesmo os demônios creem
— e tremem!”, ele
afirma no segundo capítulo de sua carta, que poderíamos traduzir da
seguinte forma, sem prejuízo do sentido: “Você acredita em Deus?
Grande coisa! Os demônios também, e nem por isso deixam de ser
demônios”.
O
importante não é crer na existência de Deus, mas em Seu caráter.
E essa necessidade existiria mesmo se Deus estivesse governando o
mundo agora, direto de Jerusalém, transmitindo seus mandamentos pela
TV ou em lives do Facebook.
De fato, a Bíblia nos mostra que, ao final de mil anos de um reinado
físico e visível do próprio Jesus Cristo, uma parte da população
será enganada pelo diabo para combater o próprio Deus na batalha
final, mesmo experimentando Sua bondade por tanto tempo [Apocalipse
20]. Como o diabo poderá enganar as pessoas, se não for em relação
ao caráter, a própria natureza invisível de Deus?
JÁ
QUE NÃO TEM JEITO
Podemos
perceber que, de fato, não existe a opção de “não viver pela
fé”. Mesmo que as coisas fossem diferentes do que são, e o mundo
invisível pudesse ser percebido por todos, uma parte (e justamente a
parte importante) sempre se manteria invisível. Uma vida em que não
houvesse necessidade de fé, em última análise, só seria possível
para aqueles que fossem oniscientes. E dificilmente um ser onisciente
poderia ser considerado humano. A própria noção de livre arbítrio,
como o entendemos, seria difícil de aplicar a um ser com essas
características. Mas acho que essa é uma discussão pra outro
momento.
Por
enquanto, podemos resumir as coisas adotando o conselho encontrado em
Hebreus 11:6 - para nos aproximarmos de Deus precisamos crer que Ele
existe (fé na existência) e que Ele recompensa os que O buscam (fé
no caráter). E para desenvolvermos essa fé, só mesmo através da
Bíblia, já que a fé vem pelo “ouvir, e ouvir a Palavra de Deus”
[Romanos 10:17]. Opa, quer dizer então que a prova que temos que a
Bíblia traz fé é que está escrito na própria Bíblia?
Exatamente! De alguma forma, Deus colocou a fé e a prova da fé
juntas no mesmo lugar, de forma que a Escritura atesta e confirma a
Escritura. E isso também é fé.